A medicina diagnóstica tem sido protagonista no cenário de pandemia de COVID-19. Em um primeiro momento, os testes foram fundamentais para detecção rápida e isolamento das pessoas infectadas a fim de evitar a disseminação desenfreada do novo coronavírus. Na sequência, para controle epidemiológico e compreensão da parcela da população já exposta ao patógeno, novos exames estão sendo utilizados. Agora que as vacinas foram disponibilizadas – até o fechamento dessa matéria eram mais de 2,2 milhões de brasileiros imunizados – a testagem assume um novo papel: o de checar a eficácia dos imunizantes.
“Há um desafio pela frente para os laboratórios: encontrar o teste sorológico com maior precisão para esse objetivo, visto que os atualmente disponíveis podem não conseguir apontar a presença dos anticorpos protetores gerados a partir dos diferentes estímulos vacinais”, explica Wilson Shcolnik, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed).
Somente no Brasil, por exemplo, a vacinação foi iniciada com a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, mas já está sendo providenciado também o imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca e há negociações em curso para inclusão, em nosso Programa Nacional de Imunização, de vacinas desenvolvidas na Índia e na Rússia.
Esse panorama ocorre porque os testes sorológicos são desenvolvidos para verificar a presença de anticorpos contra o SARS-CoV-2, proteínas específicas que se ligam ao vírus com o intuito de defender o organismo. Porém, o vírus produz tipos diferentes de proteínas e o organismo pode contra-atacar por diversas frentes. As principais proteínas que estimulam o sistema imunológico são a Spike, responsável pela ligação do vírus na célula humana e peça-chave na infecção; e as do nucleocapsídeo viral, envelope que protege e carrega a carga genética do vírus, o RNA viral. Dentro desse cenário, os fabricantes de testes de anticorpos utilizam uma dessas proteínas para desenvolvimento dos reagentes.
Paralelamente, cada vacina tem um tipo de mecanismo diferente de levar à imunidade – lembrando que todas protegem, em maior ou menor grau, a população. Dependendo do tipo do imunizante, há um estímulo específico de anticorpos contra uma proteína. Se o teste sorológico utilizado não cobrir essa proteína, o resultado pode ser um falso-negativo em alguém que está, de fato, imunizado. É o que explica Alvaro Pulchinelli, diretor científico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML).
“A vacina de Oxford, por exemplo, basicamente simula a produção da proteína Spike. Para a pessoa que tomou esse imunizante, o teste que busca anticorpos contra a proteína Spike conseguirá identificá-los. Agora outros testes, que procuram na amostra do paciente, outras partículas do vírus, podem não funcionar para confirmar a eficácia dessa vacina específica”, detalha. Nesse caso, o resultado negativo não significa que a vacina não foi eficaz, mas que o teste escolhido não foi capaz de detectar aqueles anticorpos contra SARS-CoV-2 no paciente.
Não há essa preocupação para a testagem de pessoas que de fato contraíram a infecção e adoeceram, pois, nesse caso, a pessoa foi exposta ao vírus completo e teve seu sistema imune estimulado por mais de uma frente.
Diante desse alerta, para essa nova testagem, os laboratórios precisam ter acesso à qual imunizante o paciente recebeu para, então, identificar qual o melhor teste a ser feito, evitando, assim, resultados falso-negativos. “Importante enfatizar que os testes sorológicos tentam checar o estado imunitário do paciente e não dizer qual é a melhor ou pior vacina”, complementa Pulchinelli.
Caso haja uma demanda por testes sorológicos para checagem de eficácia das vacinas contra COVID-19, o setor pode trabalhar em conjunto a fim de encontrar os testes mais eficientes para esse objetivo, assim como foi feito no início da pandemia quando a Abramed e a SBPC/ML se uniram à Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) e à Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL) para a construção do Programa de Avaliação de Kits de Diagnóstico para SARS-CoV-2, projeto que utilizou a estrutura de grandes laboratórios nacionais para conferir a qualidade dos testes que chegaram ao nosso país e, posteriormente, divulgar os resultados de forma aberta no portal www.testecovid19.org.
Importante ressaltar que a Diretriz de Utilização (DUT) dos testes sorológicos para a rede de saúde suplementar não inclui a testagem pós-vacinal, ou seja, esse teste, até o momento, não está sendo coberto pelos planos de saúde.
Com informações do site da CBDL (10/02/2021)