A situação climática que afetou dramaticamente o estado do Rio Grande do Sul tem várias facetas. O primeiro esforço é, sem dúvida, salvar vidas e assegurar que as pessoas estejam em lugares seguros. O aprendizado, a partir de outras grandes enchentes que ocorreram ao redor do mundo, indica que as consequências para a saúde perduram por longos períodos, demandando ações específicas e organizadas dos gestores de saúde pública. As primeiras manifestações são principalmente aquelas advindas do contato com a água. O início do aparecimento dos casos varia de acordo com o tempo de incubação de cada vírus, bactérias ou outros patógenos.
As diarreias, a leptospirose, a hepatite A e a dengue são as maiores preocupações. O contato com a água ocorre quando as pessoas precisam se deslocar caminhando com a água à altura do corpo, ou mesmo a nado. Nessa situação, as pessoas têm contato com água que contém matéria orgânica proveniente dos bueiros, esgotos e valas, contendo patógenos humanos e animais. O contato pode ocorrer via mucosa da boca por ingestão acidental da água ou pela pele por contato com líquidos contaminados. Nessas trajetórias, as pessoas também podem se ferir com cacos de vidro, madeiras ou outros materiais cortantes. Essas lesões na pele se tornam porta de entrada para diversos patógenos.
Podemos citar três ondas de diferentes doenças que irão afetar a população do Rio Grande do Sul.
Na primeira onda, temos gastroenterites (diarreias), infecções de pele, infecções respiratórias, pneumonites e pneumonias por aspiração. As diarreias são as principais causas de morte em decorrência de acidentes hídricos como esse. Deve-se prestar atenção especial aos grupos com maior risco de casos graves de desidratação, como crianças e idosos. Garantir o acesso à água potável é fundamental. As infecções respiratórias muitas vezes aparecem devido à aglomeração nos centros de acolhida, favorecendo a transmissão de diversos vírus, incluindo os causadores da gripe e COVID-19.
As condições precárias dos centros de acolhida também favorecem o aparecimento de escabiose (sarna) e pediculose (infestação por piolhos)
Na segunda onda, destacam-se leptospirose, tétano e hepatite A. Essas manifestações aparecem de 7 a 10 dias após o contato com a água. A leptospirose é uma doença causada pelo contato com urina de animais, principalmente ratos contaminados por uma bactéria, o leptospira. O tempo de incubação é bastante variável, podendo chegar a 30 dias. Os principais sintomas são: febre, dor muscular (principalmente nas panturrilhas), náuseas, vômitos e pele amarelada. A leptospirose é uma doença grave com sintomas bastante variáveis. Ao identificar os primeiros sintomas, deve ser feita uma avaliação clínica e o diagnóstico pode requerer testes laboratoriais. A medicação deve ser iniciada imediatamente, mesmo sem conclusão do diagnóstico, ou eventualmente poderá ser usada medicação preventiva (antibióticos) em pessoas que tiveram contato com a água, mesmo sem sintomas. Tétano e hepatite A são preveníveis com vacinas, sendo importante considerar a disponibilidade de doses de reforço.
A cólera é outra doença de atenção nessas situações, mas o vibrião colérico não tem sido detectado no Rio Grande do Sul há décadas.
Na terceira onda, destacam-se a dengue e outras doenças transmitidas por vetores. Temos uma situação mais favorável na região, pois o Aedes aegypti, o mosquito transmissor, é mais ativo em altas temperaturas. No entanto, os desequilíbrios climáticos não nos permitem afirmar que não haverá uma onda de calor nas próximas semanas, quando a água baixar, favorecendo a proliferação do vetor. A dengue já vinha sendo um fator de atenção em saúde no Rio Grande do Sul, com quase 80 mil casos e cerca de 100 mortes em 94% das cidades da região em 2024.
Os cuidados em saúde nessa situação dramática não se restringem a doenças infecciosas e seu diagnóstico, mas também ao acesso à medicação, monitoramento de doenças crônicas, atenção com quadros agudos como AVC e infartos, além das questões de saúde mental desencadeadas por estresse pós-traumático e depressão, tanto na população em geral quanto nos voluntários e profissionais de saúde envolvidos nos cuidados da população. Garantir o acesso à água potável e evitar consumir alimentos que tiveram contato com águas contaminadas são muito importantes. O acesso a medicamentos básicos e ferramentas diagnósticas essenciais é fundamental, além de um programa emergencial vacinação.
O sistema de saúde precisa estar minimamente estruturado para acolher a população. A CBDL CÂMARA BRASILEIRA DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAL tem feito esforços para garantir que os produtos diagnósticos necessários estejam disponíveis nos locais afetados.
(Com informações da CBDL – 13.05.2024)