A operação padrão da Receita Federal, iniciada no fim de dezembro, já afeta a importação de pelo menos três classes de produtos no Brasil: combustíveis, alimentos e bebidas (como vinhos e cervejas) e máquinas industriais. Associações setoriais ouvidas pelo UOL afirmaram que, com a maior demora na liberação de mercadorias, o custo de armazenagem está subindo, o que também pode elevar os preços ao consumidor final.
Desde 24 de dezembro, auditores da Receita Federal adotaram a operação padrão —também conhecida como operação tartaruga— na liberação de produtos nas alfândegas. Nela, os auditores fazem uma fiscalização mais rigorosa de documentos e mercadorias, o que eleva o tempo em operações de importação e exportação. Com o movimento, os servidores buscam pressionar o governo por aumento de salários.
Embora a operação tenha começado há poucas semanas, o setor de combustíveis já foi impactado. O presidente-executivo da Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), Sérgio Araújo, afirma que algumas liberações que duravam um ou dois dias estão levando muito mais tempo.
Normalmente, quando os associados da Abicom registravam uma DI [Declaração de Importação], ela era liberada pela Receita no mesmo dia ou no dia seguinte. Agora, tenho associado com DIs registradas ainda em 2021 e que até hoje não foram liberadas. Mais de 17 dias sem liberação.
Sérgio Araújo, presidente-executivo da Abicom
Conforme Araújo, o setor de importação é responsável por 25% do diesel consumido no Brasil. No caso da gasolina, o porcentual é de 10%. “O impacto no caso da gasolina é menor, porque o combustível pode ser substituído pelo etanol, produzido por aqui, nos carros flex. Mas a dificuldade na importação de diesel tem um efeito grande sobre o mercado.”
Vinhos, cervejas e máquinas também sofrem
O presidente da ABBA (Associação Brasileira de Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas), Adilson Carvalhal Júnior, afirma que a operação dos auditores da Receita também já prejudica a importação de alimentos e bebidas. A ABBA reúne cerca de 150 empresas que atuam no comércio exterior, boa parte delas do setor de bebidas (vinhos e cervejas).
“Já está mais difícil trazer o produto para o Brasil. Ele está ficando mais tempo na zona primária, para liberação. Isso gera custos”, diz Carvalhal Júnior.
Segundo ele, a liberação de mercadorias para o setor no porto levava normalmente duas ou três semanas. Com a operação padrão da Receita, as estimativas subiram para cinco a sete semanas. “Isso é custo nosso. A armazenagem no porto tem um valor.”
O presidente da Abimei (Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais), Paulo Castelo Branco, relata problemas semelhantes.
“Há empresas do agronegócio que compraram máquinas no segundo semestre, para que chagassem agora. Elas investiram nos equipamentos para a colheita a partir de março e abril”, afirma. Segundo Castelo Branco, os prazos estão ameaçados. A Abimei reúne hoje cerca de 60 empresas, a maior parte delas multinacionais.
Custo maior pode chegar ao consumidor
Os representantes das associações setoriais ouvidos pelo UOL foram unânimes em afirmar que as dificuldades na importação de mercadorias, em função da lentidão da Receita, podem elevar os preços dos produtos cobrados do consumidor final.
Sérgio Araújo, da Abicom, afirma que o custo diário de um navio que transporta 40 mil metros cúbicos de diesel é de US$ 22 mil. Se a embarcação ficar parada no porto, sem poder descarregar, o valor precisará ser bancado pelo importador.
“Ainda não temos registro dessa ocorrência, mas o tempo de estocagem no porto tem aumentado”, relata. Esse custo de estocagem varia conforme contrato fechado pelo importador e o porto.
O receio do setor é de que, com o movimento da Receita, o custo maior com a estocagem —no porto ou em navios— acabe sendo repassado e chegue ao consumidor final de diesel.
Adilson Carvalhal Júnior, da ABBA, calcula que o tempo maior de armazenamento dos produtos importados pode elevar em 10% as despesas dos associados.
“Achamos que pode gerar um impacto de até 10% no custo, dependendo do produto. Se o importador de alimentos e bebidas vai repassar tudo isso, é difícil saber, porque depende de sua estratégia de negócios”, acrescenta.
Adilson Carvalhal Júnior, presidente da ABBA
Castelo Branco, da Abimei, afirma que o movimento na Receita pode encarecer o preço de máquinas industriais na ponta final. “Se você precisa atender a demanda de mercado, mas não recebe a máquina, isso gera menos oferta que demanda. O preço sobe”, diz. “O povo não merece isso neste momento em que todos tentam sair da crise. O consumidor não tem culpa.”
Impacto no setor de saúde
Desde o início do movimento, o Sindifisco Nacional —sindicato que representa os auditores fiscais da Receita Federal— vem afirmando que a operação padrão não atingiria algumas categorias de produtos, como medicamentos e insumos para o setor de saúde, cargas vivas e alimentos perecíveis.
Conforme o sindicato, existe uma preocupação especial com os produtos do setor de saúde, em função da pandemia de covid-19.
Na última quinta-feira (20), a Abraidi (Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produto para Saúde) realizou uma enquete com seus associados, que participavam de uma conferência virtual. Em um universo de 43 empresas, 33 delas (77%) disseram ter enfrentado ou percebido algum problema com a importação de produtos da área de saúde nas duas semanas anteriores.
Entre os problemas citados estão atrasos na liberação de produtos e na análise de documentos.
Entre as empresas ligadas à Abraidi, estão importadores de próteses, órteses, implantes e equipamentos de proteção individual. No caso de próteses e órteses, 40% do mercado brasileiro é de importados, conforme a associação.
Em função da pandemia, os auditores da Receita estavam liberando normalmente produtos para a área de saúde. Mas nossos associados têm percebido dificuldades. Talvez não seja uma situação grave a ponto de desabastecimento, mas, se o movimento evoluir para uma greve ou permanecer por mais tempo, poderemos ter um problema maior.
Bruno Bezerra, diretor-executivo da Abraidi
Em conversa com o UOL, o presidente do Sindifisco, Isac Falcão, afirmou que mercadorias da área de saúde estão “passando normalmente” pelas alfândegas.
“Não admitimos, em hipótese nenhuma, que algum equipamento de saúde tenha morosidade”, diz Falcão. “Se isso está acontecendo, a pessoa responsável pela carga tem que procurar a autoridade do dia e informar a circunstância.”
Efeito econômico
Falcão afirma que, com o movimento dos auditores, o impacto sobre os diferentes setores da economia é inevitável.
Cada categoria profissional, quando faz uma mobilização, reivindicando algum direito, cria impacto em algum setor. Não há uma mobilização que não impacte. Entendemos que o movimento dos auditores gera certo desconforto.
Isac Falcão, presidente do Sindifisco
Os auditores da Receita possuem duas demandas principais: o aumento do orçamento para atuação do órgão em 2022 e a regulamentação de um bônus por produtividade, criado por meio de lei em 2017. O bônus nunca foi pago aos servidores.
“Os auditores têm um acordo com o governo federal que não é cumprido há cinco anos”, afirma Falcão, em referência ao bônus. “Será que estes segmentos [da economia] esperariam cinco anos para o cumprimento de um acordo?”, acrescenta, referindo-se às associações que manifestaram descontentamento com a operação padrão.
Conforme Falcão, o movimento continuará até que as reivindicações sejam atendidas. Atualmente, conforme o sindicato, praticamente todos os auditores que atuam na atividade aduaneira no Brasil —cerca de mil trabalhadores— estão participando da operação padrão.
Receita e Ministério da Economia
A Receita Federal e o Ministério da Economia foram questionados pelo UOL sobre os efeitos da operação padrão dos auditores. Eles não se pronunciaram.
Com informações do portal da UOL (25/01/2022)